segunda-feira, 24 de setembro de 2007

AMOR MENINO



Pe. Antônio Vieira

Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado mais continuadas, tanto menos unidas.

Por isso, os antigos sabiamente pintaram o amor menino, por que não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê quem não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda essa diferença é pequena.

O tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usados para não serem os mesmos. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor. O mesmo amor é causa de não amar e o ter amado muito, de amar a menos.

* Fragmento de um dos mais lindos textos da literatura portuguesa.

De volta pro lar


Ter um bichinho de estimação em casa é uma alegria, e quem me conhece sabe da minha paixão pelos gatos. Tive dois na minha infância, e foram amados de tal forma que pareciam parte integrante da família, quando eles se foram sofri bastante, chorando dias a fio. Esse detalhe escapa aos apaixonados pelos animais: geralmente a vida do bichinho é mais curta que a humana e muitas vezes eles podem fugir, nos abandonar. Mas quem disse que estamos prevenidos sobre a fuga ou perda definitiva?
Ganhei no Natal de 2005 um gato da raça persa que recebeu o nome de Mustafá. Como todos os gatos da raça, ele prima pela docilidade. Manso e dengoso conquista qualquer pessoa, mesmo às avessas a gatos. Pois bem, semana passada eis que num belo dia de sol acordo e não ouço seu miado à porta do meu quarto o que me causou estranheza. Procuramos por toda a casa e nada, e dolorosamente constatamos que o mesmo havia desaparecido.
Procuramos pela rua de casa em casa, pelo quarteirão, pelo bairro, pela cidade. Anunciamos nas emissoras de rádio, distribuímos panfletos e nada... já havia se passado 5 dias e as esperanças de reencontra-lo minguavam consideravelmente. Fiquei muito triste, e não tive vergonha de expressar minha dor. Meu marido sugeriu comprar outro da mesma raça, mas ele não entendia que pra mim, o MEU gato era muito especial e jamais seria substituído, gerando um vazio enorme.
Quando as esperanças já não mais existiam, eis que recebo a notícia que o mesmo foi visto no quintal vizinho, e então montamos guarda caso ele reaparecesse, e o mesmo reapareceu, para minha felicidade. Sujo, faminto, machucado, tinha o olhar assustado nem de longe lembrando o gato lindo que encantava todos. Mas era o meu gato e que felicidade reencontra-lo. Agora ele dorme na almofada ao lado, ainda está magro e recupera-se das feridas, certamente fruto de brigas com outros gatos. Ronrona despreocupado e claro, não sabe o quanto me deixou preocupada com seu sumiço e o quanto me fez feliz o seu retorno.

domingo, 16 de setembro de 2007

Ferreira Gullar, perfeito!!!!


Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Cantiga para não morrer


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Anjos em nossa vida


Se você, por alguma infelicidade imensa, ainda não encontrou, com certeza um dia vai encontrar. Ou melhor, é bom prestar atenção, porque com certeza, eles estão por perto. Geralmente eles aparecem de repente, mas pode ser também que estejam por perto há tanto tempo que você nem se lembra quando chegaram. O fato é que eles existem. Gente especial. Especialíssima.
São mais ou menos assim: riso largo, voz mansa, gestos suaves, olhos atentos e trazem consigo um ar tão leve, tão saudável, que fazem você se lembrar como é bom respirar. Não têm medo de tocar, de abraçar, de beijar, de fazer um afago no cabelo, de sorrir pra quem não conhecem. Dizem o que pensam e sentem com paciência, mansidão e compreensão dos limites dos outros. São queridos por todos - nem os invejosos conseguem ter raiva deles. Você não vê esses seres fazendo coisas como fofocas, intrigas, maldades gratuitas. Humanos que são, têm defeitos, mas são tão poucos que nem são relevantes. Educados, sensíveis, simples, amáveis, íntegros, sábios, positivos - certas pessoas são tão capazes de fazer você se sentir tão melhor que fazem você pensar - e eventualmente dizer - que anjos de vez em quando caem do céu pra iluminar a vida dos pobres mortais aqui da Terra.
Um anjo é isso mesmo - alguém que cuida de você, ao mesmo tempo tão perto e tão longe, que segura quando você cai. Que é sincero sem ser grosseiro. Que é doce sem ser trouxa. Que é sorridente sem ser bobo. Que é otimista sem ser ingênuo. Que é sábio sem ser pedante. Que é silencioso sem ser omisso. Que é radiante sem ofuscar o resto ao seu redor. Pessoas que são tão fofas, tão legais, que sempre que você se lembra delas, acaba sorrindo. Aquela vizinha que sempre diz um “bom dia” fervoroso quando você passa. Aquela amiga que você nunca viu de cara feia, e que aguenta os seus maus humores bravamente. Aquela senhora que trabalha com você e bate a mão no seu ombro, solidária, quando você está cansadíssima, sussurrando - “calma, querida, o dia já vai acabar”. Aquele outro amigo que manda um cartão, telefonema ou email inesperado dizendo o quanto gosta de você e deseja tudo de bom. Aquela tia que você nunca viu alterando o tom de voz. Aquela pessoa que sempre tem algo de bom pra dizer, e que não usa de ironia, ou de sarcasmo barato pra disfarçar as suas próprias fraquezas. Gente pra quem palavras como “eu te amo”, “me desculpe”, “estou aqui”, “sinto saudade” não constituem um trava-língua. Gente boa mesmo, gente de bem, gente que faz diferença por aí e nem esperam nenhuma espécie de pagamento por isso. Gente pra quem nada é difícil, que está por aí pra facilitar pros outros. Gente que todo mundo olha e diz - “Fulano? Ah, aquele sim, é uma pessoa realmente ESPECIAL!”.
Essas pessoas, além de saber o quê, sabem quando fazer algo que pode mudar o seu dia pra melhor. Um telefonema, um toque, um sorriso, um olhar compreensivo, uma frase, e pronto. Elas literalmente conseguem salvar o dia. Muitos anjinhos têm me rondado e a todos eles gostaria de levar meu agradecimento, mas…

Tem certas coisas que eu não sei dizer…

Versos de Orgulho

O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém!

Porque o meu Reino fica para Além!
Porque trago no olhar os vastos céus,
E os oiros e os clarões são todos meus!
Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!

O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?!
O jardim dos meus versos todo em flor,
A seara dos teus beijos, pão bendito,

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
São os teus braços dentro dos meus braços:
Via Láctea fechando o Infinito!...

(Florbela Espanca)
Florbela Espanca foi uma poeta de extraordinária sensibilidade, nascida em 1894 em Vila Viçosa, Portugal. Desde criança fazia versos originados de uma necessidade interior, que segundo os críticos, mesmo com erros de ortografia eram avançados em relação à sua idade. É o processo de criação para atender às pressões do inconsciente e que levaram Florbela a uma permanente angustia de nunca conseguir expressar-se na proporção em que a força erótica de sua alma oculta o exigia. Como diz seu critico José Regis, em estudo de 1952: “...Nem o Deus que viesse ama-la, sendo um Deus, lograria satisfazer a sua ansiedade...

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Vento no Litoral


Uma das letras mais bonitas da atualidade.
Obrigada Renato Russo!!!

De tarde quero descansar, chegar ate a praia e ver
Se o vento ainda está forte
E vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora
Agora está tão longe
Vê, a linha do horizonte me distrai:
Dos nossos planos é que tenho mais saudade,
Quando olhávamos juntos na mesma direção
Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim?
Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você está comigo o tempo todo
E quando eu vejo o mar,
Existe algo que diz,
Que a vida continua
E se entregar é uma bobagem
Já que você não está aqui,
O que posso fazer é cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos
Lembra que o plano era ficarmos bem?

- Ei, olha só o que eu achei: cavalos-marinhos
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora

domingo, 2 de setembro de 2007

Infância


Sinto saudades dos cheiros da minha infância.
Quando chegava da escola,o cheiro da comida de minha avó,
o cheiro da cera no assoalho....
O cheiro da minha mala de escola,
dos meus lápis mordidos,
dos meus livros novinhos no início das aulas...
O cheiro da roupa de cama limpinha
O cheiro do meu primeiro perfume,do meu primeiro batom.
O cheiro da rua na primavera
O cheiro de bolo de fubá assando
O cheiro de terra molhada
de frutas como manga espada, goiaba, araçá
O cheiro de suco de maracujá
O cheiro de Mirabel, cheiro de doce de banana
São cheiros que se misturam em um só, o cheiro bom da minha inesquecível infância...
Cheiros de uma época realmente mágica em que eu acreditava em Papai Noel o que tornava meu Natal ainda mais colorido, acreditava em conto de fadas, tinha amigos imaginários, brincava livre pela rua, corria na chuva....
Lembro-me das idas ao circo e o grande fascínio que aquele mundo de ilusões representava para mim, das brincadeiras no quintal, das escaladas nas árvores, das gargalhadas estridentes, das histórias infantis que minha avó me contava...
Essas lembranças estão marcadas em mim, não só nas cicatrizes dos tombos levados mas dentro de mim, bem lá no fundo da minha alma , são marcas que nunca irão se apagar, nunca ninguém vai me tirar pois elas me pertencem. Vou levá-las comigo como um tesouro precioso, para todo sempre...
Os anos passaram e eu não vi!
Vivi?